PORTUNHOS

S. JULIÃO

Notável a todos os títulos, pelo seu interesse histórico e patrimonial, Portunhos integrará a trilogia das “terras ançanenses“, isto é, das freguesias que se enquadram numa produção mais significativa, ao nível da indústria extractiva, do celebrado calcário que à mesma região deu nomeada. A variedade daqui proveniente manifestar-se-á como a de maior dureza e resistência, sendo por isso mais solicitada para alvenaria e silharia comum de carácter construtiva, atendendo à sua confirmada durabilidade.

Compreendendo uma razoável porção territorial, orçada em 1.524 hectares, a freguesia de Portunhos vê-se encaixada na área sudeste concelhia, enquadrada pelas congéneres Ançã (a sul), Outil (a poente), Cantanhede (a noroeste) e Cordinhã (a nordeste). Entesta ainda, respectivamente pelos flancos sudoeste e nascente, com terras dos vizinhos termos municipais de Coimbra e Mealhada.

Dista sensivelmente sete quilómetros da capital concelhia e integra, no seu foro territorial, para além da povoação principal, os lugares de Pena e Vale de Água. A sua população actual rondará os mil e duzentos residentes. Caracterizada por uma topografia que se anima de algum acidentado natural, sempre atraente do ponto de vista paisagístico, Portunhos tem na Ribeira de Ançã o seu principal curso de água, orientado a sul para a imponente bacia hidrográfica do Baixo Mondego. Consta até, em algumas referências tradicionais, a suposta e antiga navegabilidade desta ribeira até Portunhos que, por essa via, tomaria sua alegada designação primitiva de “Portinhos” (posteriormente alterada, a partir do século XVI, para a sua actual forma). Um outro ribeiro, de menor expressão, banha a parte oriental da freguesia, onde se implantarão os aglomerados populacionais da Pena e de Vale de Água. É o mesmo ribeiro conhecido pela designação de Olho da Fonte, surgindo o Olho da Gruta (João Reigota grafa “Olho do Grata” e “Olho da Giota” entre os diversos exemplares relativos à microtoponímia local) como uma das nascentes naturais que alimentarão o seu cau­ dal, capaz de proporcionar outrora a força motriz impulsionadora de diversos engenhos de moagem, dispersos ao longo das suas margens.

Esta é mais uma das freguesias de Cantanhede a destacar-se pelo seu património arqueológico, já que lhe serão atribuídas diversas estações e achados de superior interesse (no âmbito, sobretudo, da romanização). Num pequeno outeiro destacado na paisagem circundante, atingindo a altitude máxima de 91 metros, sobranceiro ao pequeno ribeiro Olho da Fonte e marginado pela estrada que liga a Pena a Cordinhã, fica a importante estação de Pardieiros, que se julga ter conhecido sucessivas ocupações desde a Pré-História até à época baixo-imperial romana (séc. IV d. C.). Conhecida desde, pelo menos, os finais do século XIX, a sua existência foi noticiada já nessa altura pelo notável pioneiro da arqueologia Nacional, José Leite de Vasconcelos. Para além de uma “elevada concentração de materiais de construção: tegulae, imbrices, lateres” (João Reigota), denunciadores de plausíveis e entretanto derruídas estruturas arquitectónicas romanas, foi por ali recolhido um assinalável espólio de um mesmo contexto civilizacional, a saber: “terra sigillata clara estampada, terra sigillata hispânica, pesos de tear, fragmentos de frescos“, isto para além de uma ponta de lança e de uma grande quantidade de moedas, na sua maioria respeitantes aos séculos III/IV (uma outra fonte bibliográfica, o “Dicionário Enciclopédico das Freguesias“, faz constar que um “tesouro” monetário achado em 1991 integraria “cerca de duas mil moedas romanas, datadas dos finais do século IV e inícios do século V”).

Um também apreciável conjunto de artefactos líticos, com idêntica proveniência nos Pardieiros, poderá indiciar, entretanto, que o local – ou imediações – tivesse conhecido já outros horizontes de ocupação mais recuados, possivelmente de um âmbito do Neolítico ou já dos alvores da Metalurgia. Núcleos de sílex, raspadores, diversos machados e uma goiva (estes últimos de pedra polida) atestarão a sobredita asserção.

Mas há outras estações ou sítios arqueológicos a evidenciar um âmbito cronológico do domínio romano, tais como o Pereira da Coelha (ainda junto à Pena e onde terão sido recolhidos dois braceletes de ouro, ânforas e outros recipientes cerâmicos ou seus fragmentos), as Várzeas (cerâmicas e tegulae recolhidos por Carlos Cruz), a Pardala (eventual forno cerâmico, com presença atestada de carvões e tegulae) e a própria localidade principal de Portunhos (onde se detectariam cerca de uma vintena de sepulturas e um forno de fundição de ferro, correspondentes a eventuais níveis de ocupação romanos ou já medievais).

As origens paroquiais de Portunhos, sendo por certo remotas conforme sugere até o próprio orago S. Julião, não se acharão por ora ainda devidamente documentadas. É costume dar notícia da primeira alusão documental à freguesia como sendo a que refere, por 1080, a grafia toponímica “Portunica” (esta de evidente consonância etimológica latinizante). A freguesia fez parte integrante do termo concelhio de Ançã, até à respectiva extinção desta antiga circunscrição, a 31 de Dezembro de 1853, altura em que transitaria para Cantanhede.

Numa carta foralenga, datada de 1371 e mandada exarar por D. Fernando, este monarca, ao fazer doação da jurisdição da vila de Ançã ao então Conde de Barcelos, D. Afonso Telo, menciona a localidade de Portunhos como integrante do termo daquela antiga vila (e concelho).

A igreja paroquial foi construída em 1785 e constitui-se como apreciável exemplar de austero gosto barroco, de contida e equilibrada traça. Na frontaria destaca-se apenas o portal, emoldurado superiormente através de um contracurvado frontão, contendo no interior do tímpano um pormenor ornamental escultórico de inspiração flor al. O edifício surge flanqueado por uma torre sineira, de planta rectangular e harmonioso proporcionamento volumétrico. “A imagem do orago, do séc. XTV, foi atribuída por Vergílio Correia à oficina coimbrã de mestre Pero. Na capela do cemitério existe uma imagem da Virgem, da mesma época e da mesma escola.” (“Grande Enciclopédia“)

Para além do templo paroquial, arrolam-se na freguesia as capelas de S. João, de S. Pedro e de Vale de Água. A capela da Pena datará, segundo o já atrás citado articulista da “Grande Enciclopédia“, de 1817. Neste lugar se terá desenrolado, por 1870 e segundo ainda a mesma fonte bibliográfica, um violento tumulto, por ocasião da aplicação da lei que previa a obrigatoriedade dos enterramentos em cemitérios entretanto estabelecidos, numa conjuntura das chamadas lutas ou revoltas da “Maria da Fonte“.

Na actual conjuntura económica da freguesia continuará a desempenhar um papel assaz relevante a actividade industrial ligada à extracção e transformação de calcário, com utilização em cantarias, cubos de pavimentação de calçadas (na tão graciosa tradição nacional) e no fabrico de cal, surgindo esta última aplicação, porém, em franca decadência. Como assaz importante ramo subsidiário da construção civil, esta actividade acabaria por impulsionar igualmente, por arrastamento, a criação e manutenção de diversas pequenas unidades empresariais à mesma dedicadas. O sector primário, pouco expressivo localmente, ocupará apenas uma modesta fatia da população activa, estimada em 8% da sua totalidade.

SILVA, João Belmiro Pinto da, “Cantanhede – Honrando o Passado, Rumo ao Futuro”, Paços de Ferreira, Héstia Editores, 2004

Entidades Associativas:

  • Associação Cultural Desportiva e Recreativa “Pedra Rija” de Portunhos
  • Grupo de Bombos “Só Pedra”

OUTIL

SANTA MARIA MADALENA

Eis uma das freguesias muito ligadas à indústria extractiva da designada “pedra de Ançã”, surgindo aqui em um peculiar tipo – precisamente o de menor dureza e consequentemente, de

maior plasticidade – que lhe vale o facto de ser o mais requisitado para os trabalhos escultóricos de grande exigência, a nível da execução de pormenores.

Outil fica encaixada na faixa meridional do concelho, a partilhar, por esse flanco, os seus limites com o município de Coimbra. Nas restantes partes vai surgindo circundada e delimitada pelas congéneres Portunhos (a nascente), Cantanhede (a norte) e Cadima (a poente).

Implantada em área de algo movimentada orografia, a uma altitude média que rondará a centena de metros (93 m. para a povoação sede), esta freguesia de Outil abraça a margem direita da ribeira de Ançã, curso de água que em muito contribui para a beleza paisagística que encerra este fértil rincão meridional de Cantanhede. A sua área cifrar-se-á em aproximadamente 1.513 hectares.

Para além da povoação principal de Outil, apenas integra esta freguesia um outro aglomerado populacional, de idêntico dimensionamento e importância, designado Vila Nova. No seu conjunto residirão por ali actualmente cerca de oitocentas e cinquenta almas.

Vila Nova de Outil assume um papel primordial no já referido âmbito económico da indústria extractiva de pedra calcária, ao qual se associaria outrora o – agora decadente – ramo industrial da produção de cal.

Esta freguesia é igualmente notável do ponto de vista arqueológico, por aqui se evidenciando

alguns dos mais significativos vestígios materiais relativos a ocupações de um âmbito cronológico pré-histórico, relacionados com o interessante fenómeno do megalitismo (de origens neolíticas, mas com reconhecida e ampla perduração em plena metalurgia).

No sítio da Moita – microtopónimo bem eloquente, já que se reportará à elevação artificial produzida pelo montículo artificial de materiais pétreos e terras que constituiria o monumento megalítico – detectaria por 1899 o arqueólogo Santos Rocha um imponente dólmen de galeria dupla, cujo espólio entretanto exumado por aquele investigador incluiria, entre o material lítico, nada menos de três machados de pedra polida e uma lâmina em sílex. Tratar-se-ia, como usualmente, de uma estrutura funerária, comprovada pelo surgimento de material osteológico humano (3 ossos e cinco dentes). Em área vizinha, o mesmo autor noticiaria ainda a presença de um outro monumento congénere, ao que parece não explorado.

Pelos meados da década de 50 do século XX, seria a vez do arqueólogo Bairrão Oleiro prestar notícia da descoberta de uma necrópole romana, englobando cerca de uma dezena de sepulturas. Os achados relacionados com esta estação, incluída numa pedreira do sítio da Gândara, Vila Nova de Outil, corresponderiam essencialmente a fragmentos cerâmicos “de barro grosseiro“, “cacos de ânfora em barro preto” e ainda “tegulae, imbrices e ladrilhos“. Há ainda registo do surgimento de um “vaso de boca trilobada“. Toda a área sudeste deste concelho de Cantanhede parece ter conhecido notável expressão em época de domínio romano, multiplicando-se os vestígios relacionados com essa ocupação em freguesias como Ançã, Portunhos e Outil. É de todo provável que a exploração da chamada “pedra de Ançã” assumisse, já por esses recuados tempos, certa expressão regional.

Uma alegada tradição local, veiculada em publicação recente, reportar-se-ia à suposta e já desaparecida existência de uma estrutura edificada, conhecida por “Torre do Castelo” e outrora erguida nas imediações de uma fonte em alvenaria, essa ainda subsistente e cuja origem se apontará como bem remota. Este vago registo etnofolclórico, a confirmar-se, poderá eventualmente aludir a uma construção de época medieval, do tipo das casas-torres, espécie de residências senhoriais fortificadas relacionadas com o fenómeno político-social do senhoralismo. A verdade, porém, é que faltará ainda atestar a veracidade da sobredita tradição, mediante irrefutáveis provas materiais.

Certo é que, na sua inventariação microtoponímica relativa a esta freguesia, comportando cerca de uma trintena de exemplos, João Reigota não inclui qualquer referência à famigerada “Torre do Castelo“. Regista, isso sim, alguns exemplos de potencial interesse arqueológico, tais como Minas, Farol e, sobretudo, Fonte dos Mouros. Não se ficarão por aqui as curiosidades arqueológicas relativas à notável povoação de Vila Nova de Outil. De facto, a “Grande Enciclopédia Luso-Brasileira” regista a existência de um antigo reduto fortificado, no sítio por essa mesma razão ainda hoje conhecido por Bombarda, o qual se relacionaria com a época e contexto das Invasões Francesas, de inícios do século XIX. Trata-se, ao que consta da publicação em causa, de “uma enorme trincheira artificial, com mais de 8 metros de base e 2 metros de altura, e com cerca de 1 km. de extensão.”

Seguindo ainda a mesma fonte bibliográfica, Outil terá sido outrora sede de um couto, com jurisdição própria e do qual eram senhores donatários os Correias de Sá (Asseca). Refere-se mesmo que a povoação possuiria foral novo, passado em Évora por D. Manuel, a 20 de Dezembro de 1519. Um curioso Cruzeiro de armoriado capitel poderá mesmo testemunhar, em eloquente sobrevivência material, a antiga autonomia institucional desta terra (conferir capítulo “Forma e Função“, na parte geral desta obra).

O actual templo paroquial, que traz por orago Santa Maria Madalena, é uma construção setecentista de algum interesse arquitectónico, na sua traça a um contido gosto barroco. No seu interior subsistem diversas peças escultóricas de imaginária quatrocentista, entre as mesmas se destacando a que respeita a Santa Maria Madalena. Das alfaias sacras sobres­ sairão uma custódia e um cálice, ambos em prata com punções e de fabrico setecentista.

Num breve tentame de caracterização económica desta freguesia em tempos actuais, ressaltará uma marcante dualidade, respeitante a cada um dos dois aglomerados principais que a constituem: enquanto em Outil se regista ainda uma notória predominância das actividades do sector primário – tendo o vinho como uma das mais acentuadas produções-, em Vila Nova o acento principal vai para a indústria extractiva da excelente variedade local de pedra calcária (já por diversas vezes mencionada, aliás).

SILVA, João Belmiro Pinto da, “Cantanhede – Honrando o Passado, Rumo ao Futuro”, Paços de Ferreira, Héstia Editores, 2004

Entidades Associativas:

  • Associação de Cooperação Social, Cultural e Desportiva de Outil
  • Bónus Medieval – Associação de Teatro e Recreação Cultural
  • Clube União Vilanovense