S. MARTINHO
Sita na orla oriental deste termo concelhio de Cantanhede – e a confrontar já, por aquele mesmo flanco e pelas bandas do sul, com terras do vizinho município da Mealhada – esta freguesia de Murtede abarca uma superfície de razoável extensão (2.027 hectares, segundo avançam fontes da própria Junta de Freguesia), envolvida e delimitada, nas restantes partes, pelas congéneres cantanhenses Sepins (a norte), Ourentã (a noroeste) e Cordinhã (a poente). Cerca de oito quilómetros a separam, para o nascente, da cidade que é sede concelhia. Enquadra-se assim em plena região bairradina, célebre pelos seus encorpados e excelsos vinhos, bem assim como pela famigerada especialidade gastronómica que é o leitão assado (duas boas razões, por si sós, para uma incursão por estas paragens…).
Numa zona de topografia suave, marcada por algumas ondulações do relevo que não quebrarão a mais geral caracterização de planura envolvente, Murtede tem por principal acidente a pequena bacia hidrográfica do Boco, que por aqui registará seu trecho inicial, orientado de nascente a poente. Para além do lugar principal de Murtede, contam-se ainda os aglomerados populacionais de Enxofães, Porto de Carros e Póvoa do Carvalho. Na sua totalidade, englobarão um conjunto de residentes estimado um pouco acima das mil e quinhentas almas.
Esta área parece evidenciar notáveis vestígios arqueológicos respeitantes à presença romana. O próprio corónimo “Murtede” poderá eventualmente relacionar-se com aquele facto, conforme sugere aliás uma tradição popular local, que lhe atribui uma suposta origem em lendária povoação antiga de “Vila Verde” – e aqui o termo “vila” pode remeter para o mundo baixo-imperial das propriedades fundiárias rústicas assim denominadas -, em tempos recuados dizimada por forte epidemia e desde então assimilada ao nome de “Mortede“. À semelhança de “Mortórios” ou “Murtórios” (existe um sítio, de confirmado interesse arqueológico e assim designado junto à Vala da Corga, em Mira, segundo João Reigota), o termo “Murtede” terá sido influenciada pela presença de vestígios ou tradição da existência de tumulações antigas. Esta asserção pode, no entanto, substituir-se por uma outra, relativa a hipotética origem etimológica a partir de “murta“, espécie arbustiva que terá influenciado outros casos toponímicos (como será eventual exemplo o não muito distante concelho de Murtosa).
Sobre a interessante microtoponímia da freguesia, onde figurarão mais de uma centena de exemplos recolhidos por João Reigota, valerá a pena destacar alguns casos de potencial interesse arqueológico e histórico, tais como Outeiro dos Mouros, Porto de Carros e Prebes. Sobre o primeiro registou o autor supracitado: “Mesmo no pico do “cabeço dos mouros” existiam muitas pedras e um buraco muito grande e profundo para onde os pastores atiravam pedras ouvindo um tilintar muito estranho. O denominado Outeiro dos Mouros, de formação calcária, apresenta escassa vegetação na encosta W. e vinha na encosta voltada ao Poente. Embora tivéssemos confirmado a existência do citado buraco, agora entulhado até à profundidade de 1 m, não encontramos aí quaisquer vestígios arqueológicos. Confirmamos, no entanto, a existência em profusão de fosseis do Jurássico inferior dos quais destacamos as belemnites – ”balas” no dizer da população.” Num outro outeiro perto daí ficará o designado “Cemitério dos Mouros“, ainda por prospectar. Em Prebes, distante cerca de duas centenas de metros para noroeste do Outeiro dos Mouros, terão surgido eventuais vestígios cerâmicos que o citado autor reputaria de época romana. Ana Poiares alude a uma passagem documental de 1094 onde se noticia uma “villa de Prevides”, a qual identifica com o actual microtopónimo em causa (Prebes). Certo é que, na Quinta da Senhora do Amparo em Enxofães, se noticia um acervo de achados romanos dos mais significativos deste concelho e região. Entre fragmentos de “tegulae“, “ímbrices” e cerâmica comum, terão sido detectados materiais arquitectónicos residuais, tais como “opus signinum” e mosaicos. Noticia-se ainda a descoberta de uma ara votiva cuja dedicatória terá sido interpretada como invocativa de uma divindade indígena e local – “Tabudicus“. Reza a mesma epígrafe: “TABVDICO / C(ainos), FABIVS VIA TOR/L(ibens) A(nirno) D(ono) D(edit). “Gaio Fábio Victor ofereceu de boa vontade a Tabudico“. A esta inscrição, conhecida e publicada já desde há sensivelmente um século a esta parte, se juntaria a notícia de uma outra, referida por E. Hubner (CIL II, 6275b, p. 1031).
“Perto de Murtede se situava a povoação de S. Martinho de Selióbría, cujo topónimo sugere origem celta, importante na Alta Idade Média, conforme se infere na doação feita em 907 ao Mosteiro de Lorvão.” (Nelson Correia Borges)
A documentação medieval aludirá presumivelmente à então propriedade senhorial – eventualmente ainda não constituída em paróquia – com seu templo então titulado de Santa Maria, numa relação das “vilas” afectas ao Mosteiro da Vacariça, com data de 1064.
Certo parece ser que esta área da actual freguesia de Murtede se constituía outrora como detentora de autonomia jurisdicional adentro do respectivo termo, com estatuto de sede de concelho, vindo posteriormente a enquadrar-se, por reforma administrativa do liberalismo oitocentista e a partir de 1836, neste concelho de Cantanhede.
A actual Igreja Paroquial de Murtede, cujo orago é S. Martinho, assinala-se como um amplo e gracioso imóvel de traça setecentista, ao gosto barroco. Na sua esbelta frontaria surge rasgado um imponente portal de largas ambreiras apilastradas, rematado ao alto por um frontão interrompido, onde duas caprichosas volutas fazem superiormente o enquadramento a um nicho central, ladeado aos flancos por um par de janelões, de curvilíneas vergas e aventais. Ao flanco direito do observador, destaca-se por seu turno a torre sineira, de planta quadrangular e equilibrada volumetria.
A actual feição da edificação terá sido fruto de uma campanha de obras ocorrida cerca de 1784, correspondendo o retábulo principal, ao gosto “rocaillle“, a um trabalho de 1791.
Uma vertente característica da arquitectura residencial civil desta região bairradina, diz respeito aos típicos palacetes promovidos pelos brasileiros”, quase todos eles de finais do século XIX ou inícios do seguinte. Com seus peculiares ecletismos estilístico, seus torreões praticamente omnipresentes a um dos flancos das estruturas, estas opulentas habitações notabilizam-se ainda pelo fausto e exotismo dos jardins anexos, onde nunca faltam os altivos espécimes de palmeiras.
Passando em revista a actualidade económica desta freguesia, verificar-se-á que o sector, primário vai ocupando, por ora, uma fatia significativa da população activa local – cerca de uma terça parte -, centrando-se essencialmente na vitivinicultura e horticultura as principais explorações que superaram já o patamar de produção para autoconsumo. Na sua totalidade, a área cultivada abrangerá à volta de 650 hectares.
A actividade industrial possui igualmente notável expressão em Murtede, surgindo como mais destacados ramos os da metalomecânica e da construção civil. Registam-se algumas unidades fabris de certa importância, tais como uma fábrica de componentes para automóveis e uma ou outra bem dimensionada empresa de construção civil.
SILVA, João Belmiro Pinto da, “Cantanhede – Honrando o Passado, Rumo ao Futuro”, Paços de Ferreira, Héstia Editores, 2004
Entidades Associativas:
ACRE – Associação Cultural e Recreativa de Enxofães
Associação Cultural e Recreativa de Porto de Carros
Centro Desportivo e Cultural de Murtede
Grupo de Teatro Experimental “A Fonte”
Centro Desportivo e Cultural de Murtede
Grupo de Jovens Renovando de Murtede
Grupo de Teatro Experimental “A Fonte”
Grupo Recreativo Escola de Samba Amigos da Tijuca