POCARIÇA
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
Ocupando posição junto à orla setentrional concelhia, a freguesia de Pocariça detém um território pouco abrangente, em termos de superfície – uns 1.229 hectares, segundo fontes da respectiva Junta de Freguesia -, surgindo rodeada e confronta da pelas suas congéneres Camarneira (a noroeste), Febres (a poente), Cantanhede (a sul) e Ourentã (a nascente). Pelo flanco norte e em muito reduzida extensão, entestará ainda com terras do vizinho termo municipal de Anadia. Integrando-se numa faixa de transição entre as sub-regiões gandaresa (que se estende para ocidente dali) e bairradina (desenvolvida para o nascente), Pocariça ostenta uma topografia na sua generalidade pouco acidentada e tendo como principal registo orográfico a pequena bacia hídrica da Ribeira do Olho, também conhecida como Ribeira da Pocariça. Integram o seu termo, para além do lugar principal – que dista cerca de dois quilómetros e meio
para norte da cidade de Cantanhede -, os povoados de Arrotas e Montinho. É o mesmo aro territorial habitado por quase mil e duzentas almas, em registo actual.
Pocariça tem merecido, pela peculiar feição assumida em termos de valores patrimoniais edificados e sua estruturação, alguns comentários elogiosos, como este que se segue, assinado por Nelson Correia Borges:
“É sem dúvida uma das povoações mais bonitas da região pelo porte das suas casas, onde o pequeno jardim dá um ar de distinção. Não falta mesmo o palacete do “brasileiro”, com seu pátio ajardinado de palmeiras. As moradias mais antigas têm balcões nas frontarias, com escada exterior, parapeito cheio e colunas ou pilares sustentando o entablamento. As da segunda metade do século XVIII, em grande número, não têm balcões, apresentando antes sacadas inde pendentes e sobrevergas salientes.”
Sobre as raízes do povoamento local, regista a “Grande Enciclopédia“:
“A região da Pocariça foi habitada em épocas muito remotas, como o provam o achado de várias sepulturas, presumivelmente célticas. O povoamento romano está fora de dúvida, pois é frequente o aparecimento de moedas, más, sepulturas, especialmente no sítio do Beato. A romanização deve ter sido mesmo bastante intensa, a avaliar pela extensão da necrópole encontrada.”
De facto, na actual Quinta do Chalet – onde se localizará o sobredito sítio do Beato terão vindo a ser detectados, desde o segundo quartel do século XX, pelo menos, numerosos vestígios arqueológicos respeitantes, na sua generalidade e a acreditar nos autores que os noticiaram, à época de domínio romano. Viriato Sá Fragoso, num seu trabalho monográfico sobre esta freguesia editado em 1939, terá sido dos primeiros a dar registo da ocorrência das descobertas. Américo Costa, que o seguiria de perto, refere textualmente: “Apareceram várias ossadas humanas, entre elas um esqueleto encerrado em tosco túmulo de pedra ( …). A escassos 100/150 metros deste local surgiram cerca de uma centena de outras sepulturas, mas estas mais rudimentares, sendo todas formadas por coberturas de pequenas pedras (…).” No seu ainda recente levantamento arqueológico de Cantanhede, o Dr. Carlos Cruz haveria de posteriormente deixar registo, mais detalhado, do surgimento de “uma sepultura de casal e filho” à qual se associaria, como espólio principal, “um fio de ouro, moedas de cobre romanas e fragmentos de olaria, telhas” e ainda um número indeterminado de “machados neolíticos”. Da sua visita ao local, em 1983, resultaria entretanto, a recolha de “tegulae”, fragmentos cerâmicos e “machados” (citado por João Reigota).
A microtoponímia circundante a este arqueo-sítio do Beato revelar-se-á – conforme aliás este mesmo caso – assaz sugestiva, tendo redondezas proporcionado entretanto outros notáveis achados. No denominado Pinhal do Frade foram recolhidos fragmentos de cerâmica comum e de construção romanas e no sítio do Forte apareceram, por seu turno, duas más manuais e um pequeno “tesouro” numismático, constituído por 31 “denários de prata ostentando a efígie de vários imperadores” (idem).
Curiosamente o topónimo principal da freguesia – Pocariça – era ainda grafado “Porcariça” pelos séculos XVIII e XIX (conforme atestam as conhecidas obras corográficas do Padre Carvalho da Costa e de Pinho Leal), apenas se começando a registar a actual versão a partir de 1925, altura em que a edilidade passaria a determiná-la com carácter oficial. Testemunham-se ainda outras grafias antigas, tais como “Pucariça” e “Pocaríssa“. Embora não passando de mera hipótese etimológica, é notável como este topónimo se poderá associar aos achados materiais atrás referenciados, à semelhança de diversos outros similares casos documentados (p. e., “Pucarinhos“, em Tabuado, Marco de Canaveses).
Quantos às origens da freguesia, como instituição de autonomia religiosa e administrativa comprovada, essas recuarão a inícios do século XVII, conforme assinala a já atrás citada “Grande Enciclopédia“:
“A freg. só foi criada em 1630, depois de uma longa e grave questão com o cabido da sé de Coimbra, que se arrastou desde 1618. O pleito foi julgado a desfavor dos habitantes da Pocariça pelo Juízo Eclesiástico de Coimbra, tendo ganho o recurso no Tribunal da Relação da Corte de Braga. Foi criado um curato, ficando a apresentação do cura ao cabido da sé.”
Deve ter sido por essa altura – segundo quartel de seiscentos -, ou um pouco posteriormente, que se começaria a projectar a edificação de um templo paroquial condigno. Terá sido então levantada a actual Igreja Paroquial, em local onde existia já uma Capela de Nossa Senhora da Ajuda. O actual edifício religioso datará possivelmente de 1674, a atentar num cronograma expresso no lintel do pórtico principal. Trata-se de um imóvel de planta rectangular longitudinal, dotado de capela mor de idêntico formato mas de menor volumetria. Às respectivas ilhargas do corpo da igreja, integram-se, adossados, um pequeno anexo de sacristia e, da banda oposta, uma altiva torre sineira. Esta última, de planta quadrangular e cobertura em cúpula, ocupa uma posição bastante recuada em relação à frontaria do templo, junto ao cunhal de cabeceira. No seu alçado principal, esta Paroquial da Pocariça revela grande simplicidade de linhas, a nível do emolduramento dos respectivos vãos – pórtico e janelão superior de sacada -, ambos recortados em esquadria. A estrutura terá conhecido importante reforma arquitectónica em 1786, datando dessa altura as janelas da nave, conforme inscrição na primeira destas aberturas existentes do lado sul.
“O corpo do templo é de cobertura apainelada, pintada com motivos rococós de excelente efeito no conjunto; o tecto da capela-mor é abobadado de pedra, aos quartos octogonais decorados. Retábulos, azulejos e imaginária são outros tantos motivos que chamam a atenção.” (N. C. Borges)
A capela-mor, com cobertura em abóbada de pedra, corresponderá à primitiva fábrica seiscentista, datando de finais dessa centúria o revestimento azulejar, de fabrico lisboeta. Os retábulos colaterais, barrocos, respeitarão à época do reinado de D. Pedro II, enquanto o retábulo-mor corresponde a D. José, o mesmo valendo para as pinturas do tecto (1777). Nos meados da década de trinta do século XX este imóvel veio a sofrer uma intervenção de restauro, com apeamento do tecto primitivo e sua reconstituição fiel, elaborada por Álvaro das Neves Eliseu (de Coimbra), sob responsabilidade da D.G.E.M.N. (Francisco Jesus)
Muito interessante também, do ponto de vista arquitectónico, é a Capela de S. Tomé. A estrutura ostenta uma traça setecentista, ao gosto barroco, correspondente a uma reedificação de anterior templete, operada por 1729. A aspecto assumido actualmente pela respectiva frontaria é, porém, bem mais recente, já que se ficaria a dever a um “enxerto” datado de 1919 / 1920, mandado efectuar pelo então proprietário deste templete particular, Manuel Evaristo Pessoa. Na remodelação seria aplicada cantaria proveniente da Capela dos Reis Magos, anexa ao antigo edifício da Câmara Municipal do Porto. No frontispício surge assim um imponente e sobredimensionado pórtico, de emolduramento em esquadria e enquadrado lateralmente por dois pares de colunas “dóricas”, as quais darão suporte a um frontão de remate, arqueado e interrompido; no coroamento das sobreditas colunas, seguindo o mesmo enfiamento, assentam outros tantos pares de fogaréus, semelhando pinhas. A estrutura é dotada de capela-mor, de volumetria diferenciada, surgindo os dois espaços interiores em comunicação através de um estreito e elevado arco cruzeiro de volta inteira. O retábulo, de pedra policromada, integra uma composição geral com base em quatro colunas e duas pilastras de emolduramento, ostentando um remate semicircular onde sobressai um baixo-relevo figurando o tema da Dúvida de S. Tomé.
SILVA, João Belmiro Pinto da, “Cantanhede – Honrando o Passado, Rumo ao Futuro”, Paços de Ferreira, Héstia Editores, 2004
Entidades Associativas:
- Académico Desportivo da Pocariça
- ADRCPA – Assoc. Desportiva Recreativa e Cultural de Pocariça e Arrôtas
- Associação António Fragoso
- Associação Cívica dos Amigos da Freguesia da Pocariça
- Associação Cultural e Recreativa do Montinho
- Associação Musical da Pocariça
- Associação Padre Manuel António Marques